quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A porta dos fundos

A casa... é belíssima! Perfeita no mais perfeito dos sonhos arquitetônicos. Ampla, mas sem desperdícios, funcional, mas rica em detalhes, interessante de todos os pontos de vista. O quadro na parede, logo acima da poltrona, sempre retrato. O morador no ângulo mais favorecido, a curvatura do nariz, bem marcada, a pintura mais bela entre todas as pinturas.

Suas janelas retas e racionais se alinham perfeitamente ao teto rebaixado. Os móveis em branco e preto, se projetam como peças de xadrez contra paredes claras e luminosas, uma que outra colorida, as cores, primárias. O pé direito muito alto, permite que as janelas ricamente adornadas, respirem seus relevos em fina talha. A poltrona, com seu veludo cor de vinho do Porto, imponente como um trono, se destaca sobre as paredes com finos traços pintados a mão. No jardim uma fonte. Ângulosa, refaz o ar modernista, estrutural. Dois pavões albinos passeiam com as plumas eriçadas. Parecem cumprimentar a escultura quase barroca no centro do pátio interno.

Na sala principal, um retrato. O dono de tudo aquilo que se vê. Moreno, com os cabelos lisos e bem arrumados, deixa entrever um cacho dourado caído sobre o busto, os belos seios, vestidos em corte futurista. Os ombros largos ressaltados pelo terno de risca-de-giz sugerem inteligência e iniciativa. Os meio-tons da mais bela fotografia já ampliada acentuam os grão de prata, revelam as pinceladas de um possível mestre renascentista. Cada pixel, exaustivamente tratado.

Em cada aluguel, uma propriedade. Em cada inquilino, um morador que sempre esteve ali. Caríssima, a casa é a riqueza no seu sentido mais filosófico. Ninguém paga ao entrar, ninguém paga ao sair.

Passado o longo corredor em estilo grego, onde as colunas com seus capitéis coríntios projetam a grandeza daquele que habita, percebe-se algo difuso. Uma espécie de bruma, uma névoa pálida e fresca, as vezes quente, as vezes densa, as vezes negra. Para chegar a este ponto, que parece em nada combinar com todo o resto, é preciso atravessar o grande labirinto, onde clarabóias irregulares iluminam alguns pontos do curto trajeto entre a casa e a porta dos fundos.

Atrás da porta, alguém, sem interesse algum, existe.

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