sexta-feira, 30 de março de 2012

Silêncio Rasgado

Luciano Laner, Entreguei a você meus mais sinceros desejos, ambições e medos. 2011. Imagem retirada do blog da galeria Espaço IAB. (Clique para ampliar a imagem e, para continuar lendo o texto, clique no fim da postagem, em mais informações!)

Quando nos deparamos com uma grande experiência coletiva, vivida em infinitos níveis por cada indivíduo, nos perguntamos: como traduzi-la? Qual é o fator de indizibilidade de algo a ponto de concretizar-se como arte?

No momento em que arte e questões sociais se confundem de modo indissociável, não há como analisar um discurso artístico por um viés ou outro. A arte é uma forma de conhecimento humano que comunica e tem a liberdade de tomar para si todo e qualquer assunto, tanto material quanto imaterial, interno ou externo, coletivo ou individual, temporal ou atemporal. O artista, porém, é um produtor localizado, no sentido de que existe em determinado tempo e contexto. Não pretendo aqui, portanto, discutir valores artísticos/estéticos, mas sinalizar a importância de certas manifestações que, oriundas da vontade do artista, extravasam os conceitos da arte, vertendo para a sociedade interessantes reflexões sobre si mesma.  

Entreguei a você meus mais sinceros desejos, ambições e medos, se apresentou como uma grande anomalia dependurada no centro histórico da cidade de Porto Alegre. Anomalia que incita a uma discussão ainda obscurecida, sobre a seriedade, as causas e as conseqüências da ditadura militar no recente processo histórico brasileiro. Discussão ausente não só no Rio Grande do Sul mas no país, onde menos se fala sobre o assunto, tanto no que diz respeito à sociedade quanto no que se verifica nas mostras de arte locais. Uma rápida observação nas edições da Bienal do Mercosul, uma das mostras mais significativas do estado, já fornece uma pista dessa constatação. Basta atentar para o número de obras que tratam insistentemente das ditaduras militares de países vizinhos, versus a estranha ausência igualmente insistente da mesma temática em obras de arte mais recentes1, de autoria dos brasileiros, notadamente no que diz respeito aos recortes curatoriais das Bienais do Mercosul.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Geração fim do mundo


Não. Não tenho a incongruência de afirmar que somos os primeiros. Nem a falsa esperança de que seremos os últimos. Somos o meio da ponte. Sentados, abobados, indescritíveis. Somos a negação da negação do que já foi dito antes. Não sentimos mais vontade nem desejo. Não queremos mais ter filhos. Não queremos mais participar.

Não acreditamos no sistema financeiro.
Mas trabalhamos para ele.
Não acreditamos na indústria, nos produtos com prazo de validade.
Mas compramos.
Não queremos mais lixo.
Mas produzimos.
Não aceitamos mais políticos.
Mas votamos.

Não compartilhamos das noções de “amor” vigentes.
Mas amamos.
Não queremos boletas psiquiátricas.
(anestesia...) … … … … … … …

Reduzimos nossos danos particulares, vivemos na base do menos pior. Nosso grito de protesto? O menos pior. Um grande silêncio. Não queremos mais este mundo doentio. Mas vivemos.

A geração fim do mundo. Ansiosa pelo dilúvio, medita, todos os dias, por um meteoro qualquer. Sentada no meio da ponte, divide as migalhas de injustiça, compartilha os copos de culpa, pede força, mais e mais peso. Um dia a ponte cai. Ponte obtusa, de um lado o velho, aquele de onde viemos. Do outro, uma esperança invertida, um fim catastrófico.

Rá! Riremos muito enquanto choramos, por dentro, de alegria e desespero.