terça-feira, 27 de dezembro de 2016

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Welcome to Vanitas Age



Li, orgulhosa, na portada do Museu de História Natural e Híbrida.

Um homem feito de material biológico idêntico ao natural tirava uma selfie diante de um fundo de chroma key. A cachoeira que borbulhava vida às suas costas evidenciava a enorme distância entre o programador da imagem e o ilustrativo tempo histórico que buscava alcançar, não pela exatidão em representar as múltiplas espécies cuja extinção se dera em meados do século XXI, mas pela inabilidade em imaginar seus biomas originais.

A sala era ampla e a competente museógrafa visivelmente havia se esforçado em traçar alguma unidade de sentido. Do lado do “Homem Selfie”, recuado alguns metros, pendia do teto baixo um Caravaggio representando Narciso. De costas para a pintura jazia uma “Eva” dissecada. Milimetricamente suspensas sobre seu corpo todas as possíveis aplicações do silicone estético. -Preciso tornar essa ala tátil, pensei.

Bem no centro da sala uma grande macieira composta por nano computadores sustentava a rede neural  do complexo Vanitas Age. Era possível ao visitante recolher uma maçã baseada no design da antiga “Apple” e visualizar um imenso código binário em sua superfície. Não era permitido comê-la, óbvio. Como toda essa parte que tratava do homem e das extinções em massa me entristecia muito, rumamos para um corredor holográfico onde o apocalipse de João era representado, alternando-se as famosas pinturas de El Greco e imagens das catástrofes climáticas de 2020. Ao fundo, um palanque estilo USA 2016, uma balança de cobre, uma antiga TV sólida e uma urna eleitoral.  Todas as peças tombadas sob uma enorme cruz de carvalho que inclinava-se sobre o espectador. Projetada na parede, atrás da cruz, a transmissão holográfica histórica da volta do Messias em diversas partes do mundo. Esse era o aspecto da antessala da designada “Nova Ordem” –Constituição Universal Humana-.

-A era do “homo traquinas sem recheio”...- falamos ao mesmo tempo sorrindo com tristeza.

- “Vanitas Age”, gostou do nome? 

Abriu totalmente o obturador das lentes de contato.

-Não. O homo traquinas não entenderia. 

-Ah, por favor... Pelo menos me deixe abusar do latim.

Ativamos os respiradores e voltamos a pé para o domo principal da comuna leste. Era a hora do poente no grande mar e eu adorava o tom dourado que as partículas de dispersão de radiação solar refletiam no orvalho do nosso jardim de vegetais orgânicos.