quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O Clube dos Renegados


Eram discretos. Nas carteiras de identidade não constavam nascimentos posteriores a 15 de julho de 1996, ano simbólico para o clube, única proibição pragmática entre os membros. As paredes da pequena catacumba onde se reuniam eram cobertas de toalhas negras e todas eram lavadas após o ritual, exterminando possíveis vestígios de odor. No centro da sala a pedra fundamental de estranho formato jazia, solene, com seu jovem negro sorridente e um dente lhe faltava na boca, segundo especulações do clube, local de inserção da planta sagrada, afim de melhor fixá-la entre os lábios.

A pedra era quadrada e fina, de um vermelho vibrante e ao lado da cabeça do garoto lia-se a palavra Pan. Na base, três estruturas em formato de “cano” continham os três principais mandamentos: para ser jovem e livre. Para ser másculo e viril. Para ser requintado e glamouroso. Outros cartazes proibidos encontravam-se espalhados em torno da pedra fundamental. Um certo Camelo no Egito, o nome do polo cinematográfico dos EUA, e cada novo membro não contemplado possuía o direito de ali prestar sua homenagem.

Uma pequena geladeira no canto, com divisórias largas, continha champanhe, cervejas finas, licores e outras bebidas nobres, para harmonizar. Vinhos, Bourbons e Whisky numa estante especial. Cafés de várias procedências. Acima da geladeira um modelo (pintado a mão) de uma McLaren delicadamente pousada sobre uma bandeira do Brasil e um vaso com lírios brancos, sempre viçosos.

As reuniões eram ilegais. De tempos em tempos algum membro desenvolvia sinais de enfraquecimento, rouquidão, dificuldade respiratória. O clube então juntava o valor necessário para o pagamento do tratamento e prestava as devidas homenagens de preparação para a feliz exclusão permanente daquela pessoa do clube. Mas a maldição das 7 tentativas era implacável. Não raro o valor acumulado acabava pagando seu sepultamento ou cremação.

Eram considerados párias sociais. Gente indigna de respeito. Assassinos sádicos e lentos cuja presença soava letal. Seus dentes amarelados apavoravam as crianças e despertavam asco nos adultos.

Nas reuniões, pilhas e pilhas de processos com negativas judiciais, afirmando que o Estado, a indústria, a publicidade não afetam o livre arbítrio e nada supera a invencível força de vontade humana. Os tímidos se tornavam eloquentes. Os abstêmios, sempre indignados, se apoiavam em suas muletas. Os dependentes de químicos pesados arranhavam a mobília. Os traumatizados balançavam os corpos nos cantos das paredes. Os ricos, acompanhavam as variações da bolsa de valores. Os pobres relaxavam após as extenuantes jornadas de trabalho. Os escritores criavam contos. Os pintores retratavam as reuniões. As putas, com as pernas abertas em função das dores, (mas já habituadas as elas) gargalhavam em grupo. Os rebeldes ouviam rock and roll e discutiam a sociedade. Os ressabiados usavam máscaras venezianas. Os cirurgiões firmavam os pulsos. Os eventuais elogiavam a duração de suas carteiras. Os pensadores engendravam suas teorias. Os jogadores exercitavam o carteado e o xadrez. Os músicos compunham melodias. Os estressados sentavam nas cadeiras de balanço. Os advogados, montavam suas defesas. Os que receberam a substância desde o útero criavam estratégias de diminuição. Os debilitados mudavam a cor do filtro.

Ao menor ruído de uma sirene, as luzes eram imediatamente cortadas e sentia-se um silêncio sepulcral. Como vaga-lumes suicidas, as pequenas luzinhas se apagavam, todas, de uma só vez. 

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