terça-feira, 16 de setembro de 2014

Dos enganos de Saint Exupéry


De todas as forças o Amor é considerado a mais potente. O amor de amigo, o amor materno/paterno, o amor apaixonado, o amor divino. Em toda a sua potência não há força mais benigna e, com uma obviedade assombrosa, talvez não exista mais maligna. A perversão do amor cativa, pois que em seu sentido mais romântico o amor repousa em uma bolha que repele críticas, um blindado translúcido que quanto mais denso, mais atratativo.

“- O que quer dizer cativar ?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.
Significa criar laços...

(…)

E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.

Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro.

(…)

Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”

Lemos isso aos 10, 11 anos. Desejamos cativar instantaneamente. Criamos e alimentamos o objeto que desperta nosso amor, então, dentro de uma redoma de vidro, cuja blindagem se justifica travestida pelo reflexo da força mais pura de todas. Mas se voltarmos a questão inicial do pequeno príncipe...

O que quer dizer cativar?

Do latim captivare: tornar cativo. Subjugar, sujeitar. Reduzir a cativeiro. Seduzir, encantar.

Esse sentido original de aprisionamento, aos poucos travestido de cuidado, e por fim ressignificado sob o reflexo do Amor, quer saber? FODE a nossa cabeça. Cometemos todo o tipo de crueldade, enganação e criamos relações de dependência no rabo dessa maldita frase. Acreditamos que privar, conter, seduzir para satisfazer o nosso amor adoecido é um gesto dos mais nobres. Atravancamos o curso natural daquilo que mais amamos encantados pelo brilho convexo do cativeiro. Sei que chovo no molhado. Mas o amor, como potência, tem o direito e o dever de DAR NA NOSSA CARA, para que nos coloquemos no lugar de quem está dentro da claustrofóbica, translúcida e brilhante prisão que construímos.

Nosso amor está doente. Quantas são as igrejas, os relacionamentos, os filhos, os animais, os negócios, que te cativam? E tu? Quem cativas?

Não é um cometa passando que vai responder essa pergunta senhor Exupéry.

Em memória de um pequeno tigre liberto.

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