segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Kati e o tomati – Um conto de honra e auto-conhecimento.


O facebook é, normalmente, um poço sem fundo de:

a) frases de Clarice Linspector.
b) frases de Chico Buarque.
c) frases pessoais de relevância absolutamente inexistente para a sociedade.

Algumas notícias válidas, algumas músicas boas, algumas piadas geniais, mas existem experiências específicas que o facebook te proporciona. Conversas inusitadas, resultantes do novíssimo direito de se meter na vida dos outros, através de comentários, com requintes de preciosos segundos de tensão.

Vejo no mural de um amigo tatuador uma tatuagem deveras incomum...

- É, um .... tomate???
- Sim, tomate de Kati Tomati!
- Humm, é o sobrenome dela então....
- yessss.
- Interessante... nunca pensei em tatuar um ferreiro e/ou um pé de pêra nas minhas costas...

Tatuador quase sempre é um ser interessante. Precisa manter parte da criança interior viva, mas diferentemente das crianças que brincavam com comandos em ação, pura e simplesmente, tatuadores preferiam juntar gelatina de morango, ketchup e alguma outra coisa melequenta a fim de obter um “quê” de realismo sanguíneo. Em vez de brincar no chão, podiam montar maquetes de guerra, com vulcões e dragões, artisticamente arquitetados para os fins imaginativos mais solenes que a infância pode gerar, nas épicas batalhas com bonequinhos de plástico. Na adolescência, não raro, desenvolveriam gostos voltados para o “lado negro da força”, apreciando músicas repletas de rebeldia, como o famigerado Rock e/ou o esganiçado e satânico Metal. Tais sonoridades muitas vezes possuem estéticas bárbaras, com toques de releituras medievais.

Um ferreiro e/ou um pé de pêra. Os dois sobrenomes, de tão corriqueiros, chegaram a me entristecer. (Crianças que acabam nas artes visuais também faziam maquetes, mas as suas eram tão esquisitas que ninguém queria brincar nelas)...

- Ia ficar massa um ferreiro acobertado pela sombra suave de uma pereira... Hein Ferreira?? Como que tu tá?

O céu ficou vermelho do sol ardente que se punha. Cavaleiros andavam imponentes com seus cavalos e suas pesadas armaduras. Espadas tilintavam ao longe. Um dragão protegia uma princesa em algum lugar. Da colina, distante, avistava-se o castelo. Podia-se saber quando viriam as encomendas pelo relinchar dos cavalos, nervosos pela batalha. A grandiosa pereira protegia do sol e marcava o lugar onde àqueles que, com sede de vingança, deveriam buscar suas armas brilhantes, afiadas e sedentas do sangue inimigo, único fluído capaz de restaurar a honra de um nobre homem ofendido.

- Forjando sempre...
- O importante é comer a pêra cortada pela espada!!!!!!
- O tomate é teu? no sentido da feitura?
- Sim....da feitura do tomate tomei as rédeas!!!!

As mensagens tornaram-se instantâneas. A emoção do nobre ofício desvelado comovia e honrava todo o meu ser. Até que...

Kati Tomati curtiu seu comentário.
Kati Tomati comentou sua publicação: – kkkkk

Retornei, abruptamente, para 2011. Um pouco envergonhada, parabenizei a tatuagem da moça desconhecida. 

À noite, comi uma pêra com nostalgia. Dormi cheia de honra e nobreza, que só o ofício duro e preciso pode trazer para um pobre e velho ferreiro, com mãos tão calejadas pela arte da forja, que molda, pelo fogo e pelo suor, das mais cortantes lâminas aos mais nobres metais.


Algumas sensações únicas, que só o amigo Lessandro é capaz de proporcionar. Ai vai o link do estúdio onde ele está trabalhando, la nas Paraíbas:  

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