Li, orgulhosa, na portada do
Museu de História Natural e Híbrida.
Um homem feito de material
biológico idêntico ao natural tirava uma selfie diante de um fundo de chroma
key. A cachoeira que borbulhava vida às suas costas evidenciava a enorme
distância entre o programador da imagem e o ilustrativo tempo histórico que
buscava alcançar, não pela exatidão em representar as múltiplas espécies cuja
extinção se dera em meados do século XXI, mas pela inabilidade em imaginar seus
biomas originais.
A sala era ampla e a competente
museógrafa visivelmente havia se esforçado em traçar alguma unidade de sentido.
Do lado do “Homem Selfie”, recuado alguns metros, pendia do teto baixo um Caravaggio
representando Narciso. De costas para a pintura jazia uma “Eva” dissecada.
Milimetricamente suspensas sobre seu corpo todas as possíveis aplicações do
silicone estético. -Preciso tornar essa ala tátil, pensei.
Bem no centro da sala uma grande macieira
composta por nano computadores sustentava a rede neural do complexo Vanitas Age. Era possível ao
visitante recolher uma maçã baseada no design da antiga “Apple” e visualizar um
imenso código binário em sua superfície. Não era permitido comê-la, óbvio. Como
toda essa parte que tratava do homem e das extinções em massa me entristecia muito, rumamos para um
corredor holográfico onde o apocalipse de João era representado, alternando-se
as famosas pinturas de El Greco e imagens das catástrofes climáticas de 2020. Ao
fundo, um palanque estilo USA 2016, uma balança de cobre, uma antiga TV sólida
e uma urna eleitoral. Todas as peças
tombadas sob uma enorme cruz de carvalho que inclinava-se sobre o espectador.
Projetada na parede, atrás da cruz, a transmissão holográfica histórica da
volta do Messias em diversas partes do mundo. Esse era o aspecto da antessala
da designada “Nova Ordem” –Constituição Universal Humana-.
-A era do “homo traquinas sem recheio”...- falamos ao mesmo tempo sorrindo com
tristeza.
- “Vanitas Age”, gostou do nome?
Abriu totalmente o obturador das
lentes de contato.
-Não. O homo traquinas não entenderia.
-Ah, por favor... Pelo menos me
deixe abusar do latim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário